O fracasso de Concord foi telegrafado

Concord

A Sony fez tudo o que estava ao seu alcance para fazer um jogo que não chamaria atenção de ninguém

Música épica, ambiente caseiro em uma nave espacial, contagem regressiva para chegar ao alvo, dobra espacial. O trailer acima, divulgado em 25 de maio de 2023, já trazia sinais de que Concord poderia ser um fracasso. Foi com esse vídeo que a Sony apresentou ao público o jogo que seria o rosto da marca PlayStation pelos próximos 10 anos.

Assim, a Sony mostrou ao mundo como planejava desperdiçar US$ 400 milhões.

Essa foi a primeira vez que vimos Concord

Um mês antes desse trailer, Herman Hulst, diretor do PlayStation Studios, afirmou: “Estamos animados para que a Firewalk traga sua expertise técnica e criativa para a PlayStation Studios, ajudando a expandir nossas operações de serviço ao vivo e entregando algo verdadeiramente especial para os jogadores.”

Com essa declaração, Hulst deixava claro que a chegada do estúdio visava fortalecer a oferta de jogos como serviço na plataforma. Tudo estava às claras.

Então, 32 dias depois, veio o PlayStation Showcase com esse trailer genérico. A próxima vez que a Sony mencionaria seu “futuro” em seu próprio blog seria um ano depois, em 30 de maio de 2024, anunciando o lançamento de Concord para 23 de agosto do mesmo ano, acompanhado de outro trailer genérico.

O departamento de marketing da Sony parecia decidido a jogar no lixo os oito anos de trabalho da Firewalk. Tudo o que poderia dar errado em Concord, deu errado. E tudo isso poderia ter sido evitado se alguém tivesse se perguntado: “Será que vai dar certo?”

Muitos atribuem o fracasso de Concord ao fato de ter sido lançado com preço cheio de US$ 60 (o que realmente contribuiu), ou ao mercado saturado de “hero shooters”, ou a outros fatores isolados. Embora todos esses elementos tenham desempenhado um papel, acredito que o principal motivo dessa derrocada foi a incapacidade do departamento de marketing da Sony de lidar com a comunidade.

O segundo trailer de Concord foi outro flop

Faltou em Concord a alma de um bom jogo, algo que o diferenciasse dos demais hero shooters. O que faltou em criatividade, sobrou em essência de “remédio genérico”, uma pitada de cada um dos fracassos anteriores da Sony Interactive Entertainment: MAG, Warhawk, Primal, Pursuit Force, Tourist Trophy e WRC: Rally Evolved.

Criar um jogo live-service não é simples. Não é como lançar uma marca já consolidada como Spider-Man, Uncharted ou Wolverine e esperar que as pré-vendas cheguem. Isso exige muito trabalho, preparação e dedicação — e tudo o que vimos foi o oposto disso.

Jogos como live-service exigem um esforço enorme para construir uma comunidade em torno deles. Foi assim com Destiny, Overwatch, Genshin Impact, Paladins, Diablo IV e outros. Esses jogos, que estão sempre ao vivo, exigem que o marketing também esteja sempre ativo. É preciso um trabalho consistente de branding, comunicação com os jogadores e presença fora das redes sociais oficiais.

Em um ano após o anúncio, a Sony não falou uma palavra para o público. Não houve campanhas para mostrar o jogo, o mundo que ele criava; a empresa simplesmente não colocou a cara no sol. Trabalhou com Concord da mesma forma que trabalharia com seus jogos de histórias fechadas, de franquias estabelecidas que a empresa cultivou por décadas. Tudo errado.

Pegue como exemplo o maior hero shooter de todos: Overwatch. Vou contar essa história para que você entenda o que quero dizer.

Hype monstro

Em 7 de novembro de 2014, Anaheim, EUA, tornou-se o centro do mundo dos games durante a Blizzcon, o grande evento anual da Blizzard. Naquele ano, a ansiedade dos fãs estava no auge. A Blizzard estava se movendo de maneira inédita. No mesmo ano, a empresa havia lançado o jogo de cartas Hearthstone durante a PAX East, inspirado em seu maior sucesso, e havia uma expectativa de que mais novidades seriam reveladas no evento.

E de fato, foram.

Foi ali que Overwatch foi anunciado. Relembre esse momento comigo:

Espere por arrepios ao assistir ao primeiro trailer de Overwatch

A Blizzard sabia como criar hype para seus jogos. Desde o primeiro trailer, Overwatch era um jogo pensado para a comunidade. Ele começava com uma introdução ao mundo, explicando o que era a Overwatch e criando um mistério em torno dela. Apresentava dois heróis e dois vilões em uma batalha frenética, ao mesmo tempo em que estabelecia o pano de fundo do jogo, com perguntas que só seriam respondidas anos depois. Tudo isso com uma animação que lembrava muito o estilo da Pixar.

Como não se empolgar com esse trailer?

Mas não foi só isso. No mesmo dia, vimos como seria jogar Overwatch em outro trailer, agora mostrando a jogabilidade, os heróis, suas habilidades, os cenários, e escondendo propositalmente easter eggs que só seriam descobertos anos mais tarde.

No dia de anúncio já sabíamos como seria jogar Overwatch

Nos anos em que Overwatch estava sendo desenvolvido, o marketing também era trabalhado. A Blizzard sabia que este era um jogo que “duraria para sempre” e tratou seu marketing com a mesma seriedade.

Agora volte ao início deste artigo e compare com o trailer de anúncio de Concord. Apenas por esse trailer, você sabe sobre o que se trata? É um hero shooter? Um jogo de exploração espacial? Um MMORPG? Mas antes disso, pergunto: você ficou com vontade de jogar Concord?

Anti-hype colossal

Os problemas de Concord começam justamente em seu anúncio e parte da culpa do jogo ser um fracasso foi toda a narrativa ao seu redor. O primeiro trailer de gameplay só apareceu um ano após o anúncio do jogo.

Até então, a Firewalk ficou sozinha terminando o desenvolvimento do jogo, criando conteúdo em sua página no Instagram que só tem 2 mil seguidores e segurando o marketing sozinha e de sua maior aposta.

Não sei o que aconteceu nos bastidores, mas era para se ter ideia de que algo não iria dar certo. Como um jogo com oito anos de investimento, um ano de anúncio, não tinha mais seguidores em seu Instagram? O que fez a Sony para demorar tanto para mostrar o game play de Concord?

A primeira cinemática de Concord apareceu quase no lançamento do jogo

Um ano após o anúncio de Overwatch, a Blizzard começou a campanha de marketing mais agressiva da história dos videogames. Organicamente eles já tinham produzido 35 vídeos mostrando personagens, revelando mais da lore, divulgando artes e mais coisas para a comunidade. Ao mesmo tempo, a equipe de relações públicas levavam jornalistas e influenciadores para testar o jogo, entrevistar desenvolvedores, fazia prévias e tudo mais que o dinheiro podia pagar.

Concord não teve nada disso. E esse foi seu erro fatal.

Jogos com tamanho investimento, precisa estar na cabeça do povo. Precisa criar uma comunidade ao seu redor. Essa comunidade que vai fazer o boca a boca. Mas também não pode depender apenas de sua comunidade. É necessário investimento clássico, aquele que inunda as redes com conteúdo, que faz os criadores de conteúdo terem vontade de comentar, colocar o assunto na roda.

Não dá para depender de posts impulsionados no Instagram e Twitter. Precisa fazer muito mais.

Agora me diga: onde estava o social media para fazer o acompanhamento da audiência e mostrar os resultados tão negativos que não dispararam um sinal vermelho para a diretoria de marketing? A comunidade de Concord era formada por apenas 181 pessoas? Isso é sério?

O canal de Discord de Concord contava com apenas 1200 usuários, e o canal no YouTube tinha 45 inscritos. Eu, que nunca postei um vídeo, tenho 13 inscritos.

Esses dados estavam à vista da equipe de marketing do jogo. Todas as informações de que algo estava errado eram claras. Como um jogo como esse não estava sendo discutido e comentado por todos os fãs do PlayStation?

Não deu outra. Em menos de um mês depois de seu lançamento, Concord foi “deslançado”. Existem muitos culpados por isso, mas o maior fator foi o descompromisso com o jogo. O principal problema de Concord foi o anti-hype.

Não faltou apenas marketing, faltou alma

Podem alegar que o mercado de hero shooters está saturado e que não havia mais espaço para novos jogos, mas isso não é verdade. O mercado está saturado de jogos que não sabem se vender, que não têm criatividade e que copiam fórmulas já desgastadas.

Não dá para passar a mão na cabeça da Firewalk e dizer que eles não têm culpa. Existem muitos jogos de sucesso que não tiveram um grande setor de marketing, mas conquistaram seu público pela inovação e qualidade.

Veja o caso de Deadlock, um jogo da Valve que está fazendo um sucesso estrondoso. Até agora, não houve nenhuma peça de marketing no ar. Nem um post no Twitter, nem um trailer, nada. Nem mesmo a página do jogo no Steam foi montada. E, ainda assim, Deadlock conta com 171 mil jogadores ativos sem sequer ser anunciado. Esse é o maior marketing boca a boca da história dos videogames.

Conheça Lark, a Junkrat de Concord

O que Deadlock, um hero shooter, tem que Concord não teve? Ambos não contaram com marketing, não foram amplamente divulgados. Ambos foram testados por influenciadores como Alanzoka e PewDiePie. A resposta é simples: Deadlock tem inovação, algo em falta no mercado de hero shooters.

Enquanto assistimos alguém jogando Deadlock, vemos sorrisos, disputas acirradas e satisfação. Nada disso foi visto em Concord. E lembre-se: Deadlock ainda está em fase de testes “fechados”, mas já transmite a mensagem de que a jogabilidade e a diversão estão acima de qualquer coisa. Você diria o mesmo de Concord?

Os personagens de Concord são carismáticos, mas, ao vê-los em ação, você pensava: “Ah, esse é o Hanzo de Concord“, ou “Esse é o Brimstone”, ou “Essa é a Widowmaker”, ou seja, até mesmo as habilidades dos personagens pareciam cópias baratas de outros jogos, como Overwatch e Valorant.

MAG – Massive Action Game, foi o Concord do PlayStation 3

O fracasso de Concord é o resultado do que acontece quando um jogo não é feito com carinho, dedicação e vontade de ser diferente.

Concord é uma lição para todas as empresas: não basta querer fazer um jogo live-service. É preciso dedicação em todas as áreas, do social media ao diretor de marketing, do programador ao diretor do jogo, do dono do estúdio ao chefe da divisão de jogos.

Foi assim que, em 6 de setembro, três semanas após seu lançamento, Concord encerrou suas operações. Apenas umas 100 pessoas estavam online para assistir ao fechamento das cortinas e ao fim de uma história que culminou no maior fracasso do mundo dos videogames, superando até mesmo o famoso desastre do jogo E.T. para o Atari, que foi enterrado em um lixão nos EUA.

A desculpa para E.T. foi que ele foi desenvolvido em três meses por duas pessoas. Realmente era difícil, para uma equipe tão pequena, pensar em marketing, comunidade ou qualidade. Concord nem essa desculpa tem.

Se esse é o futuro do PlayStation, então estamos presenciando o início do fim de uma derrocada alucinante. Espero, de verdade, que Hulst mude de ideia.

Agora é esperar para ver qual será o próximo fracasso do mundo dos games. E sinto que ele está chegando aí, pelas mãos da própria Sony. Mas isso deixamos para o próximo post.